Nos últimos anos, o uso de agrotóxicos no Brasil tem gerado crescente preocupação, não apenas pelos impactos ambientais e à saúde, mas também pelo avanço do mercado ilegal desses produtos. Com a facilidade das vendas online, agrotóxicos contrabandeados – principalmente de países vizinhos – encontraram um cenário propício para se expandir no campo brasileiro.
Estimativas do setor indicam que cerca de 25% dos agrotóxicos em circulação no país são irregulares. Em 2023, a Polícia Federal apreendeu 575 toneladas desses produtos, um aumento de quase 180% em relação ao ano anterior. Somadas às apreensões do Ministério da Agricultura (422,9 toneladas) e da Polícia Rodoviária Federal (195,7 toneladas), o volume confiscado revela a dimensão do problema.
As apreensões ocorrem principalmente em rodovias e propriedades rurais, desvendando uma cadeia criminosa que envolve contrabando, roubo de cargas, falsificação e desvio de princípios ativos importados. O principal atrativo para os compradores é o preço: os agrotóxicos ilegais costumam ser mais baratos que os regulamentados. Observadores apontam que a valorização do dólar nos últimos anos, encarecendo os produtos legais, impulsionou ainda mais a demanda pelo mercado paralelo.
Além disso, algumas substâncias proibidas no Brasil continuam sendo permitidas em países vizinhos. É o caso do paraquat, herbicida banido no país desde 2020 devido a riscos como câncer e doença de Alzheimer – na União Europeia, a proibição vigora desde 2007. O Paraguai, onde o produto é legalizado, tornou-se uma das principais portas de entrada para o agrotóxico no Brasil, especialmente via Paraná.
Crime organizado se apropria do mercado ilegal
O lucrativo comércio de agrotóxicos ilegais chamou a atenção de facções criminosas. A Operação Mafiusi, da Polícia Federal, revelou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) incluiu esses produtos em seu portfólio, ao lado de drogas, cigarros e outras atividades ilícitas.

“Não importa tanto o produto; são quadrilhas especializadas em logística”, afirma Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). Segundo ele, a capacidade de transportar diferentes mercadorias – muitas vezes no mesmo veículo – fortalece o crime organizado, que vai dominando rotas pelo país.
Barros alerta ainda para os riscos ambientais e sanitários do descarte inadequado dessas substâncias. Enquanto embalagens de agrotóxicos regulamentados seguem normas rígidas, as ilegais são frequentemente enterradas ou queimadas, agravando os danos ao meio ambiente e à saúde pública.
Legislação ignorada no campo
Na prática, muitos agricultores operam à margem das regulamentações. Eric Gustavo Cardin, professor da Unioeste, entrevistou produtores rurais no Paraná e constatou que alguns chegam a “dar risadas” das mudanças na legislação.
Segundo ele, enquanto produtores com maior capacidade financeira tendem a evitar transgressões, outros veem nos agrotóxicos ilegais uma forma de reduzir custos. “Agrotóxicos são caros. Se alguém pode diminuir essa despesa, muitas vezes opta pela alternativa ilegal”, diz Cardin. Na região de fronteira, é comum que agricultores encomendem os produtos diretamente do Paraguai, seja pela internet ou por contatos pessoais.
Facilidade das vendas online impulsiona mercado ilegal
A expansão do comércio digital tem sido um vetor significativo para os agrotóxicos irregulares. Marketplaces e redes sociais facilitam a venda e o envio desses produtos por todo o país. Em comunidades do Facebook com milhares de membros, anúncios de substâncias proibidas, como o paraquat, circulam livremente.
Questionada, a Meta, controladora do Facebook, encaminhou sua política de produtos restritos. Após notificações, alguns anúncios foram removidos, mas a fiscalização ainda é falha. Para Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCPI), as plataformas deveriam agir de forma mais proativa. “Elas têm ferramentas, como algoritmos, para identificar esses conteúdos”, afirma.
Vismona critica a postura de empresas que transferem a responsabilidade para os usuários, exigindo denúncias para remover anúncios ilegais. “Isso delega o controle às vítimas, quando são as plataformas que detêm o poder”, diz. Ele ressalta que a questão não é sobre liberdade de expressão, mas sobre cumprimento do Código de Defesa do Consumidor.
Possível solução: harmonização de leis no Mercosul e pressão internacional
Especialistas sugerem que o Mercosul adote uma legislação comum sobre agrotóxicos, seguindo o modelo da União Europeia, para reduzir discrepâncias como a permissão do paraquat no Paraguai. No entanto, Barros duvida que haja avanços no Parlasul, dado o histórico de lentidão em decisões consensuais.
Cardin acredita que um acordo comercial com a UE poderia pressionar por mudanças. “O Paraguai está em uma posição confortável, mas pressão internacional por regras mais rígidas poderia ser um caminho”, avalia. Enquanto isso, o mercado ilegal segue crescendo, alimentado pela omissão de plataformas digitais, a atuação do crime organizado e a busca por lucro fácil no campo.
Com DWBrasil