Ao completar dez anos de sua promulgação, a Lei do Feminicídio permanece uma ferramenta crucial no combate à violência contra a mulher. No entanto, o aumento das mortes de mulheres em razão de seu gênero, em vez de diminuir, segue crescendo de forma alarmante. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que, entre 2023 e 2024, houve um aumento de 0,8% nos casos de feminicídio. No biênio anterior, esse índice já havia registrado um aumento de 6,1%.
Este crescimento das mortes de mulheres apenas pela condição de gênero é preocupante, especialmente quando comparado aos outros índices de violência no país. Enquanto os feminicídios aumentam, outras formas de mortes violentas intencionais apresentaram uma redução de 3,4% no período entre 2023 e 2024. No biênio anterior, a queda foi de 2,2%.
A Lei do Feminicídio, que entrou em vigor em março de 2015, surgiu como uma resposta urgente a essa realidade. Ela foi criada a partir de um projeto da comissão parlamentar de inquérito do Senado que investigou a violência contra as mulheres no Brasil. Além de qualificar o feminicídio como um crime hediondo, a norma trouxe a visibilidade necessária para que esses crimes sejam tratados com a gravidade que merecem.
A deputada Maria do Rosário (PT/RS), relatora do projeto na Câmara, destaca que, ao longo desses dez anos, a principal contribuição da lei foi a de “demonstrar a epidemia de violência contra a mulher no Brasil”. Antes da promulgação da lei, os dados sobre os assassinatos de mulheres eram frequentemente misturados com outros tipos de crimes, dificultando a compreensão da magnitude do problema.

“Hoje conseguimos identificar que a violência contra a mulher é um fenômeno específico. O feminicídio é o ápice desse processo, que começa com violências psicológicas, físicas, patrimoniais e sexuais”, afirma Maria do Rosário. Ela ressalta que o feminicídio é apenas o fim de um ciclo de abusos, e a quebra desse ciclo é essencial para evitar novas tragédias.
Mudanças culturais e a continuidade do ciclo de violência
Em 2024, a realidade da violência contra a mulher continua alarmante. De acordo com dados, 37,5% das mulheres no Brasil – o que equivale a aproximadamente 27 milhões de brasileiras – sofreram algum tipo de violência, seja física, psicológica ou sexual. Para Maria do Rosário, o fim desse ciclo de violência depende de uma mudança abrangente em vários níveis. “A adoção de penas mais severas para os agressores é essencial, mas é igualmente importante garantir que a lei seja cumprida. Precisamos também de uma mudança cultural profunda”, argumenta.
A deputada destaca que muitos homens continuam a tratar as mulheres como objetos, em um ciclo de violência que se perpetua entre gerações. “Mesmo em gerações mais jovens, a violência contra a mulher é vista muitas vezes como algo natural, e isso precisa mudar urgentemente”, afirma. Para a parlamentar, essa transformação cultural deve ocorrer não apenas em casa, mas também em instituições educativas, unidades de saúde e por meio de políticas públicas que desafiem essas concepções.
Além disso, Maria do Rosário acredita que muitos feminicídios acontecem quando a mulher decide romper um relacionamento abusivo, um momento frequentemente desencadeador da violência fatal. Nesse contexto, políticas públicas, como o fortalecimento das delegacias especializadas e a criação de um sistema de Justiça que acolha adequadamente a mulher vítima de violência, são fundamentais.
Penas previstas
A Lei do Feminicídio estabelece penas de reclusão que variam de 20 a 40 anos para os assassinos de mulheres, com agravantes que podem resultar em um aumento da pena de um terço a metade do tempo.
Entre os agravantes estão o fato de o crime ser cometido contra mulheres grávidas, com menos de 14 anos ou com mais de 60 anos, ou ainda, se a vítima tiver algum tipo de deficiência. A punição também é mais severa se o crime ocorrer na presença dos filhos da vítima ou durante o período pós-parto.
O enfrentamento à violência contra a mulher segue sendo um desafio profundo e urgente, e a Lei do Feminicídio, após dez anos de vigência, permanece um pilar fundamental nesse combate.