Mais de 40 entidades representativas da indústria de bebidas assinaram uma carta aberta manifestando repúdio à determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que exige o reestabelecimento do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe). O sistema foi desativado em 2016 pela Receita Federal, que o considerava obsoleto. Para o setor, retomar o Sicobe é um passo atrás, com impactos negativos em termos de eficiência, custo e modernização tecnológica.
O Sicobe, desenvolvido pela Casa da Moeda em 2009, tinha como objetivo monitorar, em tempo real, a produção de bebidas no Brasil. Embora tenha sido implantado com a intenção de coibir sonegação e garantir a arrecadação tributária, o sistema foi descontinuado sete anos depois. Na época, já era apontado como tecnicamente defasado, economicamente inviável e de eficácia questionável. O manifesto atual é assinado por entidades como a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) e o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).
Segundo o setor, a Receita Federal, desde a desativação do Sicobe, implementou sistemas de fiscalização mais modernos e digitais, que acompanham a evolução do mercado e das tecnologias. O presidente-executivo do Sindicerv, Márcio Maciel, afirma que o retorno do Sicobe seria um retrocesso técnico e operacional.
“Esse sistema, além de ultrapassado e ineficiente, era extremamente caro — uma das razões pelas quais foi desligado. Hoje existem tecnologias muito mais modernas, seguras, acessíveis e digitais para controlar a produção”, afirma Maciel.
Ele reforça que o setor está disposto a colaborar com o governo na construção de uma nova solução, que seja condizente com os avanços tecnológicos e o cenário atual da indústria. “Queremos um sistema que converse com 2025, não com o início dos anos 2000. Estamos prontos e unidos para trabalhar junto com o governo na formulação de um modelo mais adequado que o antigo Sicobe.”
Questionamentos técnicos e jurídicos
A carta das entidades também menciona pareceres da Receita Federal e da Advocacia-Geral da União (AGU), que apontam o Sicobe como tecnicamente inadequado, juridicamente vulnerável e economicamente inviável. Tanto que a Receita ingressou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a suspensão da decisão do TCU.
Na última sexta-feira (4), o ministro Cristiano Zanin concedeu uma liminar favorável à União, suspendendo provisoriamente os efeitos das decisões do TCU. A liminar mantém válidos os Atos Declaratórios Executivos 75 e 94/2016, que desobrigam o uso do Sicobe. A análise definitiva do caso ainda não tem data marcada no STF.
O ministro Zanin ressaltou, em sua decisão, que há fundamentos legais que asseguram à Receita Federal a competência para definir e alterar obrigações acessórias. Ele também alertou para os riscos de violação ao pacto federativo, caso o Sicobe seja reativado, o que poderia impactar negativamente a arrecadação dos entes subnacionais. Além disso, mencionou riscos orçamentários e fiscais, já que a reimplantação do Sicobe representaria uma renúncia fiscal de R$ 1,8 bilhão, sem cobertura prevista na Lei Orçamentária Anual — o que infringiria a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Impactos à produção e ao consumidor
Para o Sindicerv, além do impacto fiscal ao Estado, o retorno do Sicobe causaria prejuízos operacionais à indústria de bebidas. Maciel alerta que reinstalar um sistema físico e defasado como o Sicobe poderia levar à paralisação temporária das linhas de produção.
“As linhas de produção atuais são muito mais modernas e velozes. Adotar um sistema pensado há mais de uma década exigiria adaptações radicais, comprometendo a eficiência e até o abastecimento do mercado. Mesmo que a tecnologia fosse atualizada, a instalação implicaria em interrupções e custos elevados, que inevitavelmente seriam repassados à sociedade”, explica.
Segundo ele, o custo estimado para reativar o Sicobe gira em torno de R$ 2 bilhões, valor que poderá impactar diretamente os preços para o consumidor final.
Como funciona o controle atualmente
Desde a desativação do Sicobe, o controle da produção de bebidas no Brasil passou por um processo de digitalização. O sistema atual é baseado em ferramentas desenvolvidas tanto pelo setor produtivo quanto pela Receita Federal, como a utilização do Bloco K do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) e a emissão da Nota Fiscal Eletrônica.
Esses instrumentos permitem ao Fisco monitorar, de forma eficiente, as compras de insumos, estoques e vendas das empresas, garantindo rastreabilidade e transparência. De acordo com Márcio Maciel, esse modelo é reconhecido como referência por especialistas nacionais e internacionais por seu menor custo e maior eficiência.
“Esse modelo digital é defendido por especialistas no Brasil e em outros países como o mais eficaz para evitar desvios fiscais, sem necessidade de sistemas físicos caros e ultrapassados”, conclui Maciel.